de saudade, de perdas, de despedida...

Eu queria falar sobre saudade, mas não de qualquer saudade ou de uma saudade qualquer...

Eu queria falar da saudade que não dói apenas no corpo, apenas na alma, apenas no coração, mas que dói, principalmente, na parte que lhe falta, na parte que lhe foi amputada;

Da saudade que vem da certeza do nunca mais e da incerteza do que poderia ter sido, da frustração do que não foi e jamais será vivido;

Da saudade que o passar do tempo não ameniza, que não há oração que console, nem bálsamo que cure ou alivie.

Mas dessa saudade não sei falar

só sei sentir...

( ainda que meu peito seja, desde sempre, demasiado pequeno para suportar tanto vazio).


há dias que a dor nos assalta
de forma tão desmedida
aguda e inesperada
que o coração se encolhe
e duvida
que possa suportar.


de todas as dores que sofri
a mais dolorida
foi a dor dos meus braços
tão vazios de ti.



Fim!
Mariza e eu agradecemos aos que nos honraram com suas presenças e comentários neste espaço.


(imagens Pino Daeni)


Por: Layla Lauar

A Maldição das Oliveiras

por mariza lourenço

Quando Dona Leonice Oliveiras de Prates faleceu, após longa e dolorosa enfermidade, sua irmã, Leonora Oliveiras, mudou-se para a casa da finada a fim de cuidar da sobrinha Lidiane, mocinha de treze anos. Sabia-se, contudo, que o zelo ocultava um mal disfarçado desejo de consolar o cunhado, Mário de Prates. Sabia-se mais, que o viúvo, inconsolável, definhava a olhos vistos e chorava o tempo todo. O que não se sabia, entretanto, e aqui, por favor, peço-lhes a mais absoluta discrição, já que com o alheio não se faz pilhéria, é que tamanho desespero não guardava nenhuma relação com a imagem da defunta que, em vida, não passara de uma sombra triste e arredia.

A falta era bem outra, não menos louvável, no entanto. O homem ressentia-se da perda de sua gruta, como ele mesmo acostumara-se a chamar aquilo que a mulher trazia entre as pernas. "Oh, gruta úmida e estreita. Levassem-me tudo, suas pernas, sua alma, seus braços, menos a gruta". "Outra igual, nunca mais". Ocorre que a afirmação, pontuada por reticências, acabou por se transformar em expectativa ante a visão dos quadris balangantes da cunhada Leonora. E assim, ao cabo de seis meses, outra Oliveiras passou a ocupar o leito do viúvo.

Quem não gostou do arranjo foi Lidiane, mas os resmungos da menina não conseguiram fazer frente ao clima de romance que se instalara na casa. De maneira que, iniciado um novo tempo, com ele também chegou a rotina e, assustadoramente, as primeiras modificações na aparência, outrora saudável, de Leonora. Tal e qual Dona Leonice, sua irmã adquiriu uma estranha coloração acinzentada e uma tristeza esquisita. Mário de Prates parecia não notar as mudanças, mais preocupado, talvez, em manter para si as delícias de sua nova gruta, tão acolhedora quanto a anterior. Lidiane tampouco se importava, desde que não lhe fossem perturbadas as descobertas do mundo adolescente.

E foi deste modo que cinco anos se passaram, demasiadamente compridos para quem se transformara em sombra e relativamente agradáveis para o dono da casa que, afinal, não tivera trabalho algum em reencontrar o prazer que julgara perdido. E a vida teria seguido assim, quase normal, quase enfadonha, não fosse por uma certa manhã de julho, véspera do aniversário de dezoito anos de Lidiane. Naquela manhã, a tia, mais cinza do que nunca, irrompeu o quarto da sobrinha, atirou um envelope em seu colo e ordenou que deixasse a casa da família para sempre. E mudasse de nome, se possível. A moça obedeceu, sabe-se lá se movida pelo susto ou vontade de dar adeus àquela vidinha estranha.

No dia seguinte à partida de Lidiane, a qual supunha-se a salvo da fome paterna, sua tia, cuja tez surpreendentemente voltara a colorir-se de rosa, sentou-se em frente ao espelho, tingiu de carmim os lábios finos, escovou os longos cabelos negros e, envolvendo o delicado pescoço com a longa echarpe de seda azul de Leonice, abriu delicadamente os alvos braços e voou em direção ao jardim, florido de hortênsias.

"Outra igual, nunca mais".

[imagem Pino Daeni]

Ausência...

a sua ausência me estilhaça, me rasga como um raio rasga os céus em noites tempestivas...

e fico assim, como fera enjaulada em pleno cio, sem ter como fugir, como escapar, cercada pelo nada e pelo silêncio, onde só escuto os gemidos da minha fome engolida, porém não saciada.

Despi-me de todos os meus receios, dos meus medos, dos meus pudores, e por três longas noites esperei por você na minha nudez envergonhada e trêmula;

(eu nua de todos meus outros eus, eu nua de máscaras, eu apenas eu, em todas aquelas horas).

enquanto esperava vislumbrei outros vultos, senti-os debaixo das unhas, mas não fui de nenhum...

(que outro olhar não quero. que outra boca meus lábios não beijam. que outro peso meu corpo não sustenta).

o nome que me cala é o seu. é você a sede que me abrasa. é seu o sabor da minha saliva, o gosto que sinto na minha língua.

por três solitárias noites supliquei-lhe em silêncio:

vem! toca-me/ lambe-me/ desgoverna os meus rumos/ desvenda os meus segredos/ despe-me desta casca casulo em que me guardo/ consome tudo o que há em mim para consumir...

mas você não veio e eu continuei deserta.

por três frias noites eu queimei até que virei cinzas.

(e ainda assim restou mais e mais de mim a arder).

e agora
quem irá me soprar?
quem irá me espalhar?



(imagem Pino Daeni)

Por:  Layla Lauar

Antônio, Santo casamenteiro ou zombeteiro?

Treze de junho, noite fria, e fui atravessada por lembranças doces, coloridas, sonoras e aromáticas; as festas juninas da minha adolescência.

Naquela época frequentava vários “arrasta-pés” , com direito a sanfoneiros, quadrilhas, fogueiras, fogos de artifício, canjica, quentão, pés-de-moleque, pipocas, maçãs do amor, muitos doces e salgados.

Adorava me vestir de caipira, com vestido de chita, cheio de babados, fazer tranças nos cabelos e usar chapéu de palha enfeitado com fitas e flores.

A noite de Santo Antônio, o santo dito casamenteiro, mas que morreu solteiro, para mim era especial, pois me divertia com as simpatias que as mulheres faziam para garantir um amor para a vida inteira...

Aquelas que já estavam noivas, mas com pressa de se casarem, amarravam um fio de seus cabelos ao do amado e depois colocavam os fios entrelaçados aos pés do Santo, para que ele resolvesse o problema e facilitasse o casamento;

Outras, mais afobadas e se sentindo encalhadas, queriam arrumar um namorado, de qualquer idade e aparência, e para isso faziam as maiores torturas com a imagem do Santo. Roubavam e escondiam o Menino Jesus que ele carregava, colocavam-no de cabeça para baixo dentro do caldo de feijão fervendo, dentro de um copo de cachaça ou até dentro do congelador, entre outras maldades.

Eu, além de não acreditar em nada daquilo, ainda duvidava da capacidade de Santo Antônio de ser casamenteiro e arrumar companheiro para quem quer que fosse.

Mas daquela vez não quis ficar de fora da brincadeira e resolvi arriscar um pedido. Afinal não me custava nada solicitar ajuda para encontrar aquele homem que havia imaginado e com quem sonhava todas as noites. Então peguei a imagem do santo, embrulhei num papel, onde escrevi minha prece:

meu Santo Antônio querido
não preciso de um marido,
nem de alguém que me ame
só quero um namorado
que me aconchegue,
que me cubra, me abrace
que seja meu travesseiro
daqueles de corpo inteiro
pois isso já me basta!
e se for um moreno
com cara de safado
de fala mansa, arrastada
pele cor de jambo, tatuada
vou ficar deveras encantada
e pra sempre agradecida
por favor meu Santo
atenda ao meu pedido
Amém!

Depois, enquanto declamava em tom descrente e debochado a minha oração, coloquei tudo dentro de um pote de melado, hermeticamente fechado, pois sem ter como escapar, Santo Antônio ficaria enjoado com tanta doçura e, para se livrar, me arrumaria o namorado.

O tempo passou e até já havia me esquecido do tal pedido, mas o Santo não se esqueceu, nem do milagre solicitado, nem da minha heresia e deboche, nem da minha descrença em seus dotes, e me mandou a encomenda, mas tão enrolada, tão bem embrulhada, que até hoje não consegui abrir o pacote!


Por: Layla Lauar

Não espere... Faça acontecer!

Quem espera sempre alcança?

Seria simples se fosse assim, mas não é verdade. Quem apenas espera, nada consegue! Não nascemos com nosso destino traçado. Somos nós que escrevemos a nossa história, através das escolhas que fazemos e das decisões que tomamos durante nossa existência.

Não basta ficarmos com os olhos erguidos para o horizonte e observarmos a lenta descida do sol, dia após dia, sem nada mais em mente senão sonhar dias melhores que os anteriores. É necessário que lutemos pelo que achamos nos tornará mais felizes, caso contrário, quando acordarmos da letargia, corremos o risco de constatar que já não há chance de termos um futuro como gostaríamos, porque perdemos uma parte de nós e ficamos amputados da alegria de viver.

Portanto, não fiquem assistindo o “trem da vida” passar, corram e embarquem nele, antes que se contentem só em esperar por um novo amanhecer, por não terem mais nada que esperar...




Trem bão, uai!


Eulália nunca conheceu outra paisagem a não ser aquela da cidadezinha incrustada entre montanhas, situada no interior do interior das Minas Gerais.

Nascida e criada ali, pela avó, D.Quitéria, desde que ficara órfã de pais, aos 2 anos de idade, sonhava conhecer um mundo diferente que, talvez, existisse além das montanhas, mas não via como realizar seus sonhos.

D. Quitéria era mulher de grande religiosidade. Quando enviuvou, renunciou aos prazeres mundanos, os poucos que tinha, e se dedicou às coisas de Deus, às coisas do Padre, seja lá o que significasse isso, e à educação da neta, único parente que lhe restara.

A menina cresceu ouvindo a avó lhe dizer que moça direita devia andar na linha, não usar roupas que marcassem as formas, manter os cabelos presos, não usar maquiagem, andar de cabeça baixa e olhos, igualmente, baixos. Tudo isso para não despertar a cobiça dos homens. — Moça cobiçada, moça perdida —, dizia a avó.

D. Quitéria sentindo que seu tempo neste mundo estava se esgotando, tratou de arrumar marido para a neta que, afinal, iria completar 25 anos. E ninguém melhor que o Sr. Joaquim, proprietário do único armazém das redondezas, homem de posses, viúvo, pai de três filhos e que estava à procura de uma boa moça, que servisse de mãe para os seus pequenos. Combinaram tudo, sem que Eulália soubesse. Marcaram a data do casamento, contrataram festa, enfeites para a igreja.

Uma semana antes do enlace, a moça foi apresentada ao noivo, mas conforme lhe ensinara a avó, sequer levantou a cabeça para olhá-lo nos olhos.

Às vésperas das bodas, D. Quitéria achou por bem conversar com a neta sobre os deveres de uma boa esposa, mas se limitou a dizer que o marido iria procurá-la para fazer “certas coisas”, que ela tinha o dever de servi-lo, mas que se mantivesse quieta, não esboçasse nenhum movimento e nem emitisse som algum, ou o homem poderia pensar não ser ela digna de usar seu nome, tampouco de ser mãe de seus filhos.

E tudo aconteceu conforme previsto pela avó. Quatro anos de casamento, todos os domingos, religiosamente, às 21 horas, Joaquim se servia dela. Levantava sua camisola, deitava-se sobre ela e, por exatos cinco minutos, gemia, fungava, até que se derramava dentro dela. Depois, virava pro lado e dormia, roncando como um porco.

Ela sentia nojo de tudo aquilo, mas não se queixava e nunca se rebelava, apenas cumpria sua obrigação de esposa devotada, como havia jurado ao padre.

Filhos seus não teve, seu útero recusou, por duas vezes, a manter os frutos de todo aquele desamor. Não tendo os seus, cuidava dos filhos do marido, dele mesmo e da casa. No mais, todo santo dia ia à missa das 6 da manhã, para rezar pela alma da avó, que já tinha ido desta para uma melhor.

O tempo passou e ela permaneceu andando, como sempre, na linha.

Às vezes se despia em frente ao espelho, soltava os cabelos, se olhava e gostava do que via, mas logo se lembrava da avó dizendo que por trás de cada espelho havia um demônio escondido para espiar as moças que se desnudavam perante ele. Cobria-se rapidamente e tratava de esquecer que ainda era jovem e bonita.

Mas naquela noite, de calor insuportável, com o homem roncando ao seu lado, sentiu uma vontade enorme de experimentar algum prazer nesta vida. Vestiu-se com a melhor roupa que tinha, passou papel crepom vermelho na boca, para lhe dar um pouco de cor, e saiu pela noite a caminho da estação ferroviária, na esperança que alguém a encontrasse e a fizesse se sentir desejada, amada.

Era a chance que o destino gozador, irônico e manipulador, esperava para intervir em sua vida.

E foi assim que, na única hora em que resolveu se desviar da linha, um trem desgovernado a invadiu pelas costas, pela frente, virando-a de ponta cabeça.

E toda a cidadezinha acordou com o grito da moça:

- Nos'sinhora! Que trem bão por demais da conta, Uai!

Foi a última noite de Eulália na vida de antes...

e a primeira noite de uma outra vida bem mais prazerosa!


(Nós, mineiros, costumamos chamar a tudo de "trem",
quer seja o próprio, quer seja outra coisa qualquer).

Por: Layla Laaur

de maios, de casamentos, de mim, por Mariza lourenço


LÁ VEM A NOIVA
(de maios. de casamentos. de mim)

— Menina, não seja teimosa! Pare de comer em panela, senão chove no dia do casamento.

Tia Firmina era mesmo assim, planejadora de casamentos e fazedora de enxovais. Quando comecei a namorar Roberto, mocinha ainda, a primeira providência de minha tia foi comprar tecido para o vestido de noiva. Ri muito. Lamentei tanto depois.

Meu grande dia havia chegado regado à tempestade, raios e trovões. Do lado de fora da capela as crianças gritavam pra fazer pirraça:

— Sol e chuva casamento de viúva. Chuva e Sol casamento de espanhol.

Na porta, após estapear um dos moleques, tia Firmina olhou-me zangada, como se aquele fosse um mau presságio e eu, a responsável. Mas como? Eu havia feito tudo direitinho. Deixara de comer em panela. Virara a imagem de Santo Antônio de cabeça pra baixo e, por Deus, ainda era virgem!

Não fiz caso e comecei a percorrer a nave — toda orgulhosa — procurando meu noivo no altar. E foi aí que me deparei com os olhos mais negros de que já havia tido notícia. Eram olhos de lobo arrancando-me toda a roupa, intumescendo meus seios de menina, deixando meus pelos à deriva dos maus pensamentos.

— Lá vem a noiva, toda de branco e debaixo da saia um tesão...

Não conseguia. Não me lembrava mais da brincadeira das primas.

Que vontade de correr daqueles olhos, daquela boca.

Que vontade de dar-me inteira, de desmaiar dentro daqueles braços e nunca mais ser eu mesma. Aqueles não eram os olhos azuis de Roberto, sempre tão bondosos e previsíveis. Eram negros, de fome declarada, passado nebuloso, futuro incerto, viagem sem volta. Olhos de aventura, de mar aberto, onde eu poderia navegar sem meus recatos de moça séria, onde a minha nudez seria selvagemente comemorada como o mais febril dos presentes.

Qual o quê! Outros olhos aguardavam-me ansiosos. Pra toda vida. Eram azuis.

Esqueci-me das brincadeiras, dos sonhos recém-adquiridos e tão cedo abortados. Escolhi o caminho sem riscos, o porto seguro que me aguardava sorridente ao lado do Padre.

Os olhos, aqueles negros, continuaram seu louco e despudorado passeio através do meu corpo virgem, enquanto eu, pobre de mim, uivava, sem saber que aquela queimação entre as pernas seria, para o resto da vida, a mais fiel das companhias.



[imagem Marc Chagall]



***

amigos, gostaria de agradecer os votos de feliz aniversário recebidos na postagem anterior a esta. é muito importante para mim saber-me querida e lembrada, creiam-me.

agradeço especialmente à Layla, verdadeiro anjo, minha fiel amiga de todas as horas.

meus melhores presentes de aniversário, invariavelmente, têm vindo em forma de carinho e amor. sou uma mulher de sorte.

beijos.

marizoca

Hoje é dia de Mariza


Amiga querida


Por que hoje é o seu dia, queria lhe dar de presente algo que fosse tão bonito que nunca esquecesse, algo tão puro que nunca deixasse de ser verdadeiro, algo intemporal, que ficasse marcado na memória dos momentos felizes...

Então, depois de muito pensar, resolvi lhe dar uma flor, mas não a espécime e sim o significado dessa flor e fui buscá-la para você no topo dos Alpes europeus. Edelweiss é uma linda flor branca, em formato de estrela, e reza a lenda que só deve ser presenteada a alguém que represente para nós um amor eterno ou uma amizade sincera e, por esse motivo, escolhi o simbolismo dessa flor para lhe enviar neste dia que é tão especial para você e para quem lhe gosta muito.

Parabéns Mariza! Feliz Aniversário!

Que felizes sejam todos os seus dias e que você viva, a partir de hoje, a vida que sempre sonhou existir;

Que todos os seus desejos, mesmo os mais simples e insignificantes, mas sempre tão importantes, se realizem;

Que Deus lhe cuide em todas as suas horas!

Meu beijo, meu abraço e meu carinho de sempre...


Por: Layla Lauar


Quem roubou as nossas horas?

Estão faltando horas nas noites e nos dias destas duas blogueiras.

Por que será que as horas, mesmo quando tão pesadas, conseguem ser mais ligeiras do que nós? Esta pergunta eu nunca vou saber responder...



Bem, mas estou falando sobre falta de tempo para explicar que Mariza, envolvida em vários compromissos profissionais, não pode atualizar o blog e me passou a incumbência de fazê-lo. Só que, como a vez é dela, resolvi postar um texto de sua autoria: “O diário das horas”, publicado originalmente no Escritoras Suicidas”, que acho muito lindo e, tenho certeza, vocês irão concordar com a minha opinião.

Mas como ninguém é de ferro, enquanto a Mariza trabalha, eu tento esquecer meus inúmeros problemas diários dançando por entre as horas e por isso coloquei aqui no blog a belíssima música de balé , "A Dança das Horas”, da Ópera "La Gioconda", de Almicare Ponchielli, que eu adoro e espero que gostem também.

Houve um tempo que eu dançava esse balé nas pontas dos pés, até que um dia, acreditando que poderia ser mais ligeira do que as horas, tive as asas do meu pé esquerdo amputadas e desde então ele pesa como chumbo e só minha alma bailarina continua dançando com qualquer música, mas essa é uma prosa para uma outra hora.





Diário das Horas
                                                             
                                                                      Mariza Lourenço

I


bateram duas vezes à porta e minha disposição em abri-la é tão miúda quanto a certeza de que sobreviverei a mais um processo de desconstrução. não quero coadjuvantes. minha dor é egoísta. solitária. aguda.
e de dor eu entendo como ninguém.


II

sou mulher de prantos.
choro por tudo e nada. e o nada tem sido bem mais que tudo. choro manso pra despistar os demônios. choro baixo pra enganar meus fantasmas. ninguém desconfia de nada. e o mundo segue - presumivelmente - feliz.
sem mim.


III

sinto faltas essenciais: de algum amor, de alguma paixão, de algum sexo. e de tempestades. o que antes era profuso agora é reto. e esta linearidade me apavora. não estou preparada para viver em calma perpétua. quase morta.
ainda não.


IV

passei metade da vida levantando bandeiras e tentando compreender meus abismos. passei a vida inteira carpindo a dor alheia e perdendo meus sonhos em qualquer lugar.
logo eu, que nunca soube advogar em causa própria, apostei todas as fichas no mesmo jogo.
e perdi.


V

confesso que fui muitas sem ser nenhuma. confesso que me apaixonei demais e amei de menos. confesso que não me lembro de alguns cheiros. de algumas carícias. e do meu primeiro beijo.
se, hoje, vomito lembranças é pra justificar esta minha condição de puta.
de um homem só.


VI

entre meus dedos, o terço - presença física de minhas crenças - queima. ando esquecida dos mandamentos. e já não sei onde foi parar meu último pecado. aquele do qual nunca me arrependi.
a imagem da Virgem me enxerga, entende e consola.
ah!, Senhora, estou nua. tem piedade de mim.


VII

foi por minha conta e calculado risco que me meti em claustro (mais uma vez) e calei a boca (mais uma vez).
batem novamente à porta. (estou assustada).
do lado de lá esperam pela mulher de sempre. pelo riso fácil. pela boca pródiga em contar histórias.
do lado de lá esperam por respostas que não tenho.
nem pra mim.

hoje não escrevo, sonho apenas!

De novo a minha vez de blogar e embora esteja carregada de coisas que gostaria de escrever aqui, a cabeça lotada de idéias, não consigo traduzi-las em palavras...

Pensei em falar sobre essa nova safra de mulheres que invadiu o mercado, as "mulheres frutas", porém esse é um assunto que muito me irrita, quando penso que, desde os anos 50, mulheres corajosas, inteligentes, com força de vontade e ideais repletos de valores de igualdade, lutam para ter um lugar ao sol junto aos homens monopolizadores de poder e que, agora, mais de meio século depois, um grupo de mulheres, com os corpos modificados por silicone, vem à publico se autodenominar “mulher-fruta” (de muita popa e pouco sumo), colocando a todas no mesmo balaio, como artigo de degustação, pelo menos na cabeça de alguns ou muitos machos, que se deixam levar mais pelo instinto do que pelo bom senso ou razão.

Então, melhor deixar, por ora, esse assunto pra lá...

(... e continuo sem saber sobre o que escrever aqui.)

Tenho lido por aí e por ali, alguma pessoas, talvez pegando carona na música do Zeca Pagodinho, falando que estão deixando que a vida as leve. Mas como assim? "Deixa a vida me levar"? A vida não tem pés, não tem asas, a vida não nos leva a lugar algum, somos nós que movemos as nossas vidas, através das escolhas que fazemos.

E por acreditar nisso, que acabei de resolver e hoje escolho não escrever.

Afinal, estamos no outono e, para mim, o outono é a mais bela e romântica estação do ano. Suave e doce. É quando a natureza se despe de suas cores de verão e se veste de tons castanhos, rubros, dourados e adormece para se renovar. Tudo nessa estação me encanta, o frio das madrugadas, a dança do vento com as árvores, o cair das folhas, a música que se ouve pelo ar, as manhãs claras e ensolaradas. É nesta época que mais me permito sonhar e se a vida não tem asas, o coração as tem. Por isso, recolho-me para me renovar e deixo que meu coração me leve para onde eu gostaria de estar, já que meus pés, amarrados pela realidade, me impediram de caminhar até lá...

Desculpem-me, mas hoje não escrevo, sonho apenas!

Layla Lauar


de mães e de pães

Mãe

— Pô, mãe, que mesada "merreca"!

— Mãe, empresta a sandália nova? Já peguei, viu?

— Manhê, você não esqueceu que dia 21 é meu aniversário, né?

— Mãe, você não me compreende mesmo...

— Manhê!!!

— Mãe?!?

— Mãeeeeeeeee!

— Chega! Para! Renuncio ao cargo! Juro a vocês que se ousarem pronunciar a palavra "Mãe" nos próximos 10 minutos, cometo um atentado. Nem mais um pio!

— Piu...

Mãe é isso. Pau para toda obra, colo para ninar filho pequeno e embalar "meninice" de filho grande. Ombro para aguentar o peso da dor, boca para encher filho de beijo, boca para mandar filho calar a boca, braço para carregar filho doente, coração para receber filho de volta.

Mãe é caso de amor resolvido. Com mãe não se discute a relação nem se questiona o fim. É amor que não vai embora nem se teme perder. Mãe é caso de amor muito sério.

Mãe não tem filho bandido; tem filho injustiçado.

Mãe não tem filho vagabundo; tem filho incompreendido.

Mãe nem sexo tem; é santa.

Mãe que é mãe não se faz de rogada, arma confusão se souber que o filho foi rejeitado pelo time de futebol.

Mãe que é mãe anda sempre prevenida; leva na bolsa um lencinho quando vai às festas da escola do filho.

Mãe que é mãe tolera tudo; tapa na cara, pancada e grosseria se isso for necessário para defender a cria.

Mãe que é mãe fica escondida atrás da cortina esperando a filha retornar da noitada.

Mãe não dorme, cochila, morta de medo de perder o suspiro do filho.

Para a mãe não existe dia, noite e céu estrelado se não enxergar nos olhos do filho toda a felicidade do mundo.

Mãe diz coisas óbvias, filho ri, acha careta, torce o nariz, mas lá no fundo, bem que gosta.

***

o conceito de maternidade é tão grande e largo e bonito que extrapola todos os limites e explicações. afinal, o que significa ser mãe? gestar, parir, criar? entendo que não. entendo que está além, muito além de carregar na barriga por nove meses uma criança. entendo que está além de sentir e sofrer as dores de um parto. maternidade é escolha e não existe nada mais bonito do que optar por trazer ao mundo um novo ser. mas é escolha, principalmente. escolha que, diariamente, fazem mulheres e homens quando decidem gestar, adotar e criar uma criança.

a maternidade é um ofício. um ofício de amor, sobretudo, ao qual se lançam mulheres e homens dispostos a amar incondicionalmente os filhos que a natureza ou a vida lhes destinou. não existe diferença entre a mãe que pare e aquela que acolhe como seu o filho de outro ventre. não existe diferença entre a mãe que amamenta e aquele homem que, sozinho, cria seus filhos e os alimenta com leite em pó.

a maternidade é uma escolha e um ofício para toda a vida. e, certamente, é a melhor e mais bonita escolha que alguém se dispõe a fazer em favor da vida e do amor.

às amigas e aos amigos mães nossos votos de um feliz Dia das Mães.



por uma maternidade consciente e feliz


Mariza Lourenço
P.S.: esta postagem será publicada simultaneamente no blogue proseando com Mariza.

[imagem: Amamentação, de Pablo Picasso]

Amor ou paixão?

“Eu te amo!”

Quantas vezes você fez essa declaração? Algumas, com certeza. Porém, em muitas delas você deveria dizer: “eu estou apaixonada(o) por você”, porque amor e paixão não têm o mesmo significado. Existe uma grande diferença entre um sentimento e outro.

O amor é um longo aprendizado, progressivo e duradouro, onde cada um procura dar significado, cor e intensidade à vida do outro e se ajusta como peças de um quebra cabeça, sem arestas, no decorrer dos anos. É como uma dança mágica, cujos passos vão se harmonizando, até encontrarem a coreografia perfeita. O amor é generoso, é cúmplice, é tolerante, nos deixa seguros e confiantes. Quem ama perdoa e aceita os defeitos do outro. O amor vence obstáculos e não teme distâncias.

O amor é como uma brisa suave que só nos faz bem e nasce na alma e no coração.

Já, a paixão é coisa de nervos e pele. É taquicardia e tremor de pernas. É posse e tesão. É furacão e tempestade. É efêmera e imediatista. Não suporta esperas e nem distâncias. É dúvida e nunca certeza. É cheia de conflitos, explosões, picos e vales, amanheceres e poentes, e quase nenhum tempo de paz.
É céu e inferno e, de vez em quando, entre um e outro, o purgatório...
Enfim, o amor caminha sobre terreno sólido e a paixão se equilibra sobre areias movediças.

Se o amor é quase utópico e raro de ser encontrado, a paixão é bem real e está sempre à espreita e pode nos atacar a qualquer hora, enquanto estamos distraídos.

Afinal, você ama ou só está apaixonada(o)? O que prefere para sua vida? A calmaria de um amor verdadeiro ou a adrenalina das paixões avassaladoras e passageiras?

Bom mesmo seria poder se apaixonar, todos os dias, pelo mesmo “amor de sempre”.



tudo que é demais
me assusta me apavora
mas se o medo me come
a paixão me devora
então não tenho escolha
fecho os olhos e me jogo
inteira em seu colo.


se eu chorar me consola?
se eu quebrar você me cola?




(*imagens: telas de Alfred Gockel)

Layla Lauar

Curiosidade feminina II

dando sequência à série de entrevistas que o Duas por Todas pretende fazer com blogueiros, desta vez a vítima escolhida é o jornalista, professor, radialista e escritor Márcio Almeida Júnior, senhor e legítimo proprietário do excelente blogue Viver e Contar.

muito se diz a respeito da curiosidade feminina. e, de fato, nossa curiosidade é inesgotável, especialmente quando se relaciona à nossa produção e à maneira como somos vistas pelo universo masculino. afinal, como o homem vê a mulher que se dedica às letras?

diz aí, Professor.

[por mariza lourenço]




nós duas e Ele





Duas por Todas: A voz poética feminina é mais visceral que a masculina, em sua opinião?

Márcio Almeida Júnior: Eu diria que ela é diferente, e uma das principais diferenças está não tanto no caráter visceral, quanto no tom confessional. As mulheres tendem a ser mais confessionais que os homens em poesia, tendem a aprofundar suas confissões num nível a que os homens têm mais dificuldade de descer. Isso não impede, obviamente, a existência de vozes poéticas masculinas em que o tom confessional prevalece. Na poesia feminina contemporânea, por exemplo, o que vejo é que o tom confessional pode assumir a visceralidade, no sentido denotativo do termo, relacionado às experiências carnais, ou manter-se no nível dos sentimentos. Em qualquer um dos casos, porém, o confessionalismo feminino tende a ser naturalmente mais profundo que o do homem. Por outro lado, o erotismo poético feminino, uma das demonstrações dessa visceralidade, é muito diferente do masculino. A razão, acredito, está fora da literatura e se encontra nas diferenças do erotismo propriamente dito. Desconfio de que o erotismo feminino se processa dentro de um contexto mais amplo, ao contrário do masculino, que, com raras exceções, se esgota no instante da conjunção carnal. No erotismo feminino, e isso fica evidente na literatura, há uma linha contínua e aspiralada que envolve o antes, o agora e o depois. Mesmo a poesia erótica feminina mais direta e mais crua está quase sempre, se a observarmos bem, ligada a essa visão de mundo. Sem esquecer, claro, que a gama de referências eróticas é muito maior nas mulheres do que nos homens, o que equivale a dizer que o erotismo literário feminino vai muito além das genitálias.


DT: A que você atribui a tendência confessional da mulher escritora? você acredita que a mulher, ao escrever, tenha menos reservas do que o homem?

MAJ: Creio que sim. Penso, entretanto, que a resposta a essa pergunta aponte para fatores que estão num nível não literário. Esses fatores estão relacionados ao feminino, entendido como o conjunto de características que compõem a estruturação psico-afetiva das mulheres e que a diferenciam dos homens. É evidente que as mulheres falam com menos reservas sobre sentimentos e afetividade, matéria-prima de boa parte da poesia e prosa confessionais que se vê hoje na literatura feminina. Essa evidência se encontra, inclusive, no fato, amplamente conhecido e muito citado, de que as mulheres, ao contrário dos homens, se dispõem com mais frequência a discutir relacionamentos, o que não deixa de ser um exercício de falar sem reservas. Os homens escritores, mesmo quando discutem sentimentos, não o fazem sem reservas. Vencê-las custa-lhes mais do que às mulheres.


DT: Márcio, em algumas oportunidades, você já manifestou sua predileção pela poesia da americana Emily Dickinson. Como explica essa predileção?

MAJ: Para explicar a minha predileção pela obra de Emily Dickinson, preciso antes fazer um esclarecimento prévio. Mesmo rejeitando estereótipos, por serem empobrecedores da leitura literária e incompatíveis com uma visão minimamente crítica, acredito na existência de uma voz poética masculina e de uma voz poética feminina. Isso não significa que os homens não possam apresentar características femininas e vice-versa. Significa que há certas predominâncias e recorrências na produção literária, as quais, uma vez estabelecidas, configuram uma voz masculina ou feminina. Nesse contexto, até o século XIX, no Ocidente, a maior parte dos experimentos literários formais foi feita por homens, enquanto às mulheres coube, em geral, o papel de alargar o espectro de possibilidades de conteúdo, isto é, ajudar a ampliar os temas da literatura e, principalmente, o tipo de abordagem deles. As transgressões literárias femininas foram, na maior parte das vezes, transgressões de conteúdo. O caso de Emily Dickinson torna-se peculiar quando se leva isso em conta. O que ela fez foi tomar o código masculino de experimentalismo formal e lhe dar um conteúdo feminino. Ela jogava nos dois campos, por assim dizer. Conseguiu dominar ambas as vozes, a feminina e a masculina, porque as olhava de cima, de um ponto de vista que me parece ter sido atingido quase milagrosamente, levando-se em conta o contexto do protestantismo puritano de meados do século XIX nos Estados Unidos, com papéis rígidos estabelecidos para a sensibilidade literária masculina e feminina. Emily Dickinson faz experimentalismo formal e, ao mesmo tempo, trata os temas típicos da visão de mundo feminina.


DT: Qual(is) outras poeta(s)/poetisa(s)/escritora(s), você mencionaria como referência de beleza e transgressão poética?

MAJ: Sou leitor assíduo da produção feminina. E é grande a galeria de vozes femininas na literatura do Ocidente que leio e releio sempre com renovado prazer. Deixarei de lado aqui as autoras contemporâneas, que são muitas e poderiam não ser todas lembradas numa enumeração feita ao correr da pena. Entre as vozes femininas que leio sempre, destaco:

* Safo, uma matriz do erotismo feminino na poesia do Ocidente;
* Mariana Alcoforado, autora das mais arrebatadas cartas de amor já escritas em português;
* Jane Austen e Irmãs Bronte, que plasmaram o Romantismo inglês;
* George Elliot, uma voz marcante no século XIX inglês;
* George Sand, presença decisiva no romantismo francês;
* Emily Dickinson, a mais importante voz poética feminina dos EUA;
* Florbela Espanca, o mais arrebatado coração poético de Portugal;
* Helena Morley, a inventora do primeiro diário literário moderno em língua portuguesa;
* Anna Akhmatova, a grande voz lírica da Rússia;
* Virginia Woolf, a inventora de sutilezas femininas em língua inglesa;
* Cecília Meirelles, cultora de uma poética completa, que vai do lírico ao épico;
* Simone de Beauvoir, iniciadora de um novo olhar sobre o feminino na França;
* Marguerite Yourcenar, uma mestra no romance histórico com visão feminina;
* Clarice Lispector, autora de uma obra que alargou e aprofundou a prosa brasileira;
* Ana Cristina César, um farol em sua geração


DT: A poesia feminina é triste, Professor?

MAJ: Não em essência. Mas, em se tratando de autoras que adotam um tom confessional em produções que tratam de camadas mais profundas do sentimento, a poesia pode tender à melancolia. É o que se vê com frequência, mesmo na poesia erótica feminina, que quase nunca é apenas de celebração da carne, abrindo-se também a um pathos da afetividade. Não me julgo capaz de analisar as causas dessa "tristeza". Gerações de pensadores têm tentado entender as mulheres, e alguns deles, como Freud, numa afirmação muito caricaturizada e nem sempre contextualizada e bem entendida, reconheceram ser difícil para os homens entendê-las. Tenho apenas um palpite: mulheres e homens são naturalmente complementares em termos de sentimentos, mas a estruturação psíquica feminina é muitíssimo mais complexa e sutil do que a masculina, que, por ser mais direta, mais lógica, se organiza de modo diverso. Daí que realmente muito poucos homens entendam as sutilezas femininas e, por conseguinte, a poesia feminina e o pathos de tristeza, que é um de seus leit-motivs.


DT: Em suas crônicas você permite que seu "eu lírico" se manifeste todas as vezes em que sente vontade? (muitos risos)

MAJ: Em primeiro lugar, quero dizer que está contida na pergunta a idéia de que a crônica pode ter um "eu" lírico, conceito mais usual em poesia. Essa idéia é sofisticada, em termos de teoria literária. Está baseada na iconsideração, feita por alguns autores, de que aquele "eu" que narra fatos é, ele próprio, uma criação literária. Concordo com essa idéia. A crônica, numa de suas vertentes mais importantes no Brasil — vertente esta que tem entre seus expoentes um Rubem Braga, com certeza o maior cronista lírico que tivemos —, tende ao lirismo. O que é o mesmo que dizer que esse tipo de crônica tende a poetizar o cotidiano, que é o assunto do qual se ocupa a crônica. Aposto na idéia de que é o "eu" lírico que aumenta a densidade literária da crônica. Sem a manifestação desse "eu", a crônica tende ou ao conto, onde predomina a função narrativa ficcional, ou ao artigo, em que prevalece a apresentação e discussão de idéias. Há ocasiões em que isso se apresenta misturado, como nos textos que Drummond, outro gigante da crônica, produziu a partir dos anos 50 do século passado. Mas a especificidade da crônica, acredito, está nesse discorrer lírico sobre o cotidiano. Nesse sentido, e aqui está o essencial do ofício de cronista, a crônica é uma pedagogia poética da vivência. O cronista quando bem sucedido, ensina a olhar o mundo com outros olhos. Assim como o poeta, que olha para o cisco e vê a sua dimensão estética, a exemplo de um Manoel de Barros, o cronista olha a chuva e discorre sobre ela e sobre o que ela lhe causa em termos de impressões, sentimentos, idéias. A estrutura da crônica está, portanto, mais próxima da poesia do que do conto ou do artigo. Do ponto de vista formal, e essa é uma das afirmações que tenho feito em minhas oficinas literárias, está próxima também de algumas formas musicais, como o jazz e algumas espécies da música clássica. Nessas espécies de música clássica, como no jazz, a estrutura de desenvolvimento é: tema + variações/improvisações + fechamento. É evidente que essa foi a forma de composição empregada por um Rubem Braga em vários de seus textos. Feito esse preâmbulo crítico, posso agora responder à pergunta e dizer que o meu "eu" lírico é assumido conscientemente em minhas crônicas. Mas eu sou mineiro, sou do interior, padeço de sertanismo crônico, de incapacidade não menos crônica de assimilar a desinibição natural das grandes metrópoles. O meu "eu" lírico, embora eu não o contenha, é de mineiro: isso significa que ele tende a falar menos e a sugerir mais. Mas essa é uma visão pessoal. Não consigo abandonar o vício de falar nas entrelinhas.


DT: Há, em seus textos, uma forte tendência à interiorização do ser, à busca dos elementos essenciais que justifiquem sua presença no mundo. O ato de viver poderia ser menos complicado, em sua opinião?

MAJ: Quando publiquei meu segundo livro, "Crônicas Quixotescas", com produções aparecidas em mídia impressa, eu me dei conta de que venho, inconscientemente, fazendo um longo exercício de meditação ao escrever. No começo, cheguei a pensar que eu me repetia. Depois me dei conta de que essa é a minha forma de olhar o mundo. Está enraizado em mim o hábito de olhar os pássaros e pensar na liberdade, de ver borboletas e de raciocinar sobre a leveza, de sentir as mudanças do tempo e de pensar nas estações da nossa existência. Quando me dou conta, já dei um pulo do sensível para o supra-sensível. Essa tendência à interiorização é, na realidade, uma tendência à reflexão. Acho que vem daí o meu gosto pelo montanhismo e o trekking, modalidades esportivas em que somos levados a confrontar a natureza, a exterior e a interior. Minhas crônicas nascem dessa mania de interiorização, e a maioria delas é escrita mentalmente enquanto caminho. Eu escrevo mentalmente enquanto estou caminhando. Filho, neto e bisneto de fazendeiros, costumo passar longas horas andando sozinho no campo. Acho que minhas crônicas são o registro de meu andar no campo, na cidade, na vida. Caminhando no campo, eu sou levado a repensar que a natureza humana, afinal de contas, não precisa de tantas coisas sofisticadas quanto nós, civilizados, pensamos. E concluo, sim, que o ato de viver pode ser menos complicado.


DT: Márcio, além de Jornalista, Professor e Radialista, você ainda encontra tempo para se dedicar a causas e projetos sociais. Como acha que a sociedade pode contribuir de forma efetiva para a minimização de tantas mazelas sociais?

MAJ: No estágio atual da civilização, a sociedade civil só pode agir diretamente de modo tópico, em iniciativas específicas, pois cabe ao Estado o papel de conduzir as políticas públicas de maior abrangência. Mas essas iniciativas não são menos importantes, quando tomadas de forma organizada, com objetivos e métodos bem definidos. Além do mais, a sociedade civil pode interferir nas políticas públicas, na medida em que lhe cabe o fundamental papel de forçar, pelo voto e outras formas de manifestação, a vontade política, que é pequena e faz com que continuem pequenos os resultados na luta contra as nossas misérias sociais. Meu pequeno trabalho social, feito na região em que moro e atuo como educador, empresário e profissional de imprensa, diz respeito à educação complementar de crianças carentes e, num nível mais básico, à busca de assegurar meios para que algumas delas possam se alimentar melhor. Faço isso em parceria com várias entidades. Paralelamente, tenho participação na defesa dos direitos dos portadores de necessidades especiais (tenho um irmão cadeirante, que me sensibilizou para isso) e das mulheres, por meio do estímulo à criação de conselhos e órgãos de defesa. Mas é um esforço conjunto o que faço, ou seja, minha parcela de contribuição é apenas uma gota de água no oceano de pessoas que se dedicam a essas causas. Pelo trabalho com as crianças, tenho especial predileção.


DT: E para terminar, Márcio, que tal um bate-bola com algumas palavras recorrentes em seus textos?

MAJ:
Lua: Sou assumidamente aluado. A Lua é, para mim, um arquétipo, um símbolo permanente. Andar à luz da Lua é das experiências mais gratificantes que me foi dado experimentar neste mundo.
Estrela: Sou astrônomo amador. Faço observações desde a infância. É difícil saber o que me fascina mais: a beleza das estrelas ou a curiosidade científica de pesquisar suas características. O céu estrelado é a imagem mais bonita deste mundo, na minha opinião. Talvez porque não seja deste mundo.
Criança: Não adiantaria nada eu tentar ocultar. Há uma criança dentro de mim que olha tatus-bolinhas, observa arco-íris e gosta de andar na chuva e de dar comida aos pássaros. Emprego os mais sérios e maduros de meus esforços para não deixar de todo de ser criança.
Montanhas: Como a Lua, são mais do que montes de terra. Subi-las, dificuldade por dificuldade, até chegar ao topo, vai além de fazer exercício e tem alguma coisa de religioso para mim. Ouvir o vento que sopra no alto dos morros, de onde se vê todo o redor, é uma experiência mística.
Literatura: Para quem escreve e quem lê, uma experiência-limite, que desafia o tempo, o lugar e projeta autor e leitor no infinito a partir do estético, do lúdico, do lírico.



Raio X



Márcio Almeida Júnior (Oliveira-MG), 36 anos, é Jornalista, Radialista, Editor do Jornal Uai! e Professor Universitário de Língua Latina, Literaturas de Língua Inglesa e Redação Avançada. Escreveu os livros "Crônicas Quixotescas" e "ABC da Pesquisa". Na Internet pode ser lido em seu blogue Viver e Contar e na Germina - Revista de Literatura e Arte.


o Professor Márcio, como de hábito, foi de uma gentileza ímpar ao nos conceder esta entrevista, além de cronista sensível, é um grande amigo, ainda que sua mineiridade interiorana faça-o parecer um homem sério demais, é daquelas pessoas bem-humoradas e dispostas a colaborar com causas nobres e boas.

obrigada, Márcio, de coração.

mariza e layla.



uma crônica Dele



imagem medioimages/photodisc

A psicanálise do cisco e dos restos de bolo na mesa



Tenho inveja de garçons e varredores. Na adolescência, quando descobri que a alma do escrever mora nos olhos e ouvidos, e não nos dedos e artifícios de estilo, passei a achar que esses dois ofícios têm muito a ensinar. Por respeito a si mesmo e aos leitores, ninguém que se disponha a colocar idéias na página em branco deveria fazê-lo sem antes passar por uma espécie de estágio probatório com eles.

Garçons e varredores, talvez por força do trabalho que exercem, estão imunes ao vírus do excesso de referência e atenção a si mesmos. É desse vírus a culpa pela impiedosa epidemia que devasta parte considerável da literatura e que em nossa época tem tornado tetraplégicos muitos talentos literários promissores, incapacitando-os de perceber as coisas do mundo como uma grande provocação da curiosidade.

Esse quadro patológico não atinge garçons e varredores. Nos restaurantes, lanchonetes ou bares de qualquer nível, nos aeroportos e terminais rodoviários, eles circulam com a vitalidade de quem não está afogado nas próprias profundezas. Estão atentos aos outros, enquanto aqueles a quem servem em geral têm olhos e ouvidos apenas para verem e ouvirem a si mesmos, num espetáculo infindável de autocontemplação.

Com garços e varredores, é diferente. Eles olham pela janela da vida e ouvem o seu burburinho. Só garçons e varredores descobrem com facilidade a diferença entre a birra que as crianças dão quando querem fazer algo e não são autorizadas e a birra que dão para não fazer o que lhes pedem. Só eles distinguem à primeira vista de qual dos cinco tipos de choro de mulher se trata em cada caso.

Sei que outras profissões permitem observar pessoas, mas não como os garçons e varredores. Médicos e policiais também fazem observações por dever de ofício, mas têm autoridade sobre as pessoas. E a autoridade, quando brilha nos olhos, estrangula, estupra e esquarteja a curiosidade. Com autoridade é impossível olhar o desenho geométrico do cisco no chão e fazer a psicanálise dos restos de bolo na mesa.

Autoridades não percebem que as pessoas se dividem entre as que brincam com as tampinhas de refrigerante e as que não brincam. Não sabem que canudinhos e palitos torcidos ou quebrados são quase um tratado sobre a alma humana, cada tipo de torção ou quebra correspondendo a uma disposição de espírito. Têm dificuldade para descobrir que a areia dentro do cinzeiro forma a imagem de uma montanha.

Para garçons e varredores, tudo isso é visível. É claro. Ao voltarem para casa depois de um turno de trabalho, eles podem avaliar o quanto o mundo é variado, complexo e profundo. Sem solenidade, sem alarde, com a nobreza de quem se sente bem servindo, eles atingem a capacidade de viver e aprender, esse fruto abençoado reservado aos quem têm a coragem e a humildade de não se julgar o centro do universo.

Velha Infância

É minha vez de blogar e acordei cercada pela vida estupidamente real. Ainda não fiz minha Declaração do Imposto de Renda (não sei onde guardei os recibos das despesas dedutíveis), as notícias pipocam nos jornais e telejornais sobre crimes cometidos contra mulheres aqui em Beagá e no resto do País, a crise econômica gera desemprego, bactérias desconhecidas infectam pessoas e causam mortes, e minha casa está cheia de hóspedes. Ufa! E eu sem conseguir escolher um tema para esta postagem...

Nessas horas, preciso urgentemente de um café forte, de alguns cigarros, de navegar, ainda que seja pela Net, já que em Minas não tem mar.

E foi navegando que descobri ser hoje o Dia Nacional do Livro Infantil e que está havendo uma blogagem coletiva, cujo tema é Monteiro Lobato (confiram aqui). E como num passe de mágica, lendo uns e outros, tudo o mais desapareceu da minha mente e me vi transportada, sem precisar do pó de pirlimpimpim, para os anos felizes e doces da minha infância, onde a minha admiração por esse notável escritor começou.

Quando completei seis anos, meu avô me presenteou com a coleção completa, 17 volumes, dos livros infantis escritos por Monteiro Lobato. E a minha, até então, pacata vidinha se transformou numa aventura maravilhosa junto à turma do Pica Pau Amarelo.

Eu morava numa casa grande e o meu local preferido para leitura era o pomar, onde o aroma das frutas maduras, misturado ao cheiro de terra molhada, criava o cenário perfeito para que eu vivenciasse todas as peripécias que lia nos livros.

E foi assim que embarquei numa viagem ao céu, deslizei pela via láctea e encontrei um anjinho de asa quebrada, "a maior das galantezas", caído no quintal, que desci até o fundo do mar e assisti ao casamento de Narizinho com o Príncipe Escamado, que fui à Grécia e me perdi nos labirintos do Minotauro, que visitei os deuses no Olimpo e experimentei a ambrosia, o manjar que concedia a imortalidade, que presenciei aquela linda bonequinha de pano começar a tagarelar como uma maritaca, depois de ter engolido a pílula falante inventada pelo Dr. Caramujo.

Naquele tempo, todas as minhas amigas queriam ser Paquitas ou Barbies, mas eu não, eu sonhava ser a espevitada Emília, feita de trapos e recheada de macela, dona de uma canastrinha lotada de tesouros, noiva de um leitão, o Marquês de Rabicó, a boneca que teve a coragem e ousadia de reformar a natureza. Eu queria morar no Sítio do Pica Pau Amarelo, sentar-me no colo de Dona Benta e ouvir suas histórias, comer os bolinhos de chuva da tia Anastácia, discutir filosofia com o sábio Burro Falante, saber das invenções do Visconde de Sabugosa, acompanhar o Pedrinho em suas caçadas e à Narizinho em suas reinações, brincar com o rinoceronte Quindim e com a vaca Mocha.

Eu não lia apenas as histórias do Pica Pau Amarelo, eu me enfiava dentro delas e elas se tornavam reais para mim.

Que me perdoem todos os outros grandes autores de literatura infantil, mas nenhum me encantou mais, nem coloriu meus dias, nem me ensinou a sonhar como o fez Monteiro Lobato, um escritor que não ergueu fronteiras entre a fantasia e a realidade, que transitou entre esses dois mundos como se um só fosse, com seus personagens humanos perfeitamente integrados com seres mitológicos e fantásticos, ou com bichos e objetos, filósofos e falantes.

E que me perdoem também os leitores amigos, pois fugi totalmente da proposta do blog, mas hoje, apenas hoje, me permito ser uma boneca de trapo, cansada da vida real e de seus problemas.

Photobucket


(Não deixem de ler aqui, escritos por Ricardo Rayol, um belo texto sobre Monteiro Lobato e uma linda história, em versos e rimas, sobre a visita da turma do Sitio do Pica Pau Amarelo ao mundo encantado de Juarez, o cabrito montês).


* imagens Google, sem indicação de autoria.

Com quem ficam os filhos, afinal - por Mariza Lourenço

Decisão Salomônica


A separação arrastava-se há meses e o Juiz, de saco cheio, propôs que dividissem a casa ao meio. Eles toparam. Restava decidir com quem ficariam, carro e filho.

— Fico com o carro. Ela disse.

— Com o carro fico eu. Berrou o separando.

O Juiz, de ordinário tão sensato, resolveu arriscar:

— Está decidido. Divide-se o carro também.

— E o menino?

— Vai para a Casa da Criança.

Fez-se silêncio.

O Juiz ordenou que o menino fosse levado a adoção.

E antes mesmo de instalada a próxima audiência, o Magistrado, de ordinário tão ponderado, rasgou Código e Bíblia:

abandonou a profissão.

***

o advogado que milita na área de família sabe que uma das questões mais delicadas e doloridas num processo de separação é relacionada à guarda dos filhos. e é mesmo complicado, porque com tantas mágoas envolvidas, os pequenos acabam pagando o pato pelo desacerto de seus pais. transformam-se em joguetes a serviço de disputas, de 'quem pode mais' e, infelizmente, muitas vezes, acabam por se transformar em objeto de barganha e vinganças mesquinhas.

e é nesse exato momento que a lei funciona em favor dos interesses da criança, salvaguardando-a de futuros males. o código civil brasileiro, ao igualar homens e mulheres em direitos e obrigações, beneficiou a família, sobretudo ao não privilegiar um em detrimento de outro, quando a guarda é requerida por ambos. o que vale, em primeiro lugar, é o bem-estar do filho menor e ponto final. dez a zero para o legislador.

na esteira de tantas inovações, uma das mais interessantes e profícuas diz respeito ao instituto da guarda compartilhada que, em minha opinião, é a forma mais saudável e menos traumática de convivência entre pais separados e seus filhos. mesmo que a custódia física da criança permaneça com um deles, a guarda compartilhada permite àquele que não a detenha, a mesma ingerência e poder sobre a vida de seu filho.

dias atrás, e daí o motivo desta postagem, me perguntaram se eu, como mãe, achava que o legislador se equivocara ao retirar da mulher o antigo privilégio de se manter como guardiã legal dos filhos. pois bem, como mãe e advogada a minha opinião é uma só: por motivos óbvios, a custódia física da criança muito pequena, ou daquela que ainda está sendo amamentada durante o processo de separação, deve ficar com a mãe. passado, no entanto, esse período, e levando em consideração a realidade atual, em que tantos pais vêm assumindo espontaneamente o encargo de cuidarem sozinhos de seus filhos, acho absolutamente normal que a eles seja destinada a custódia física das crianças.

mas, convenhamos, nada disso precisaria ser discutido, a tutela do judiciário não precisaria ser invocada a torto e a direito, se as pessoas prestassem o enorme favor a elas mesmas e a seus filhos, de se respeitarem, independente de qualquer coisa, independente, até mesmo, de já não existir amor.


mariza lourenço

[imagem gary s. chapman]

Vestindo fantasias


"A fantasia sexual é um meio de envolver o corpo e a mente para o prazer sexual".
(Joseph LoPiccolo, autor do livro Descobrindo o Prazer)




A maneira mais eficaz e prazerosa para apimentar uma relação é fazer uso das fantasias sexuais, ou seja, exercer a criatividade para quebrar a rotina do casal, imaginando e criando situações que estimulem e despertem os desejos mais ardentes.

Fantasiar faz parte das nossas brincadeiras quando crianças e o sexo pode ser considerado uma "brincadeira" entre gente adulta. As fantasias são indispensáveis, pois têm grande capacidade afrodisíaca e ajudam a potencializar a sexualidade trazendo novas formas de viver a relação.

Portanto, não importa qual seja a sua fantasia, o importante é vivenciá-la da melhor maneira possível, porém nunca se esqueça que sexo é parceria, cumplicidade, e que é preciso respeitar os limites físicos, emocionais e as escolhas de cada um, ou a relação deixa de ser prazerosa, se torna frustrante e até mesmo humilhante para um dos dois. O diálogo, a conversa franca, é a melhor forma de entendimento, para se saber o que agrada a um e ao outro.

Mas, lembre-se, a lealdade e a discrição são muito importantes, o que acontece entre o casal não deve ser comentado com outras pessoas, a única coisa que realmente conta é o que vocês pensam e como se sentem em relação às suas fantasias, elas são as suas verdades e, embora não há, nesse caso, o que seja certo ou errado, belo ou feio, existem maneiras diferentes de enxergar, de ouvir e interpretar, e o que para vocês significam momentos de amor, de paixão, de tesão, para olhos e ouvidos alheios podem se tornar ridículos, sujos, pervertidos.

No mais, liberte-se para o prazer, faça-se feliz sexualmente, pois só você tem esse poder.




minha pele branca
e nua
é a tua tela
desenhada à vela
e fogo
cera ardente a cair
sobre o meu corpo

no mais
a minha dor calada
o meu prazer gritado
me saber marcada
e tua
somente tua
para todo o sempre
amor!


layla lauar

e o amor, vai bem?... *;)

american images inc


amar é bom, não é? eu acho. faz bem à alma, à pele, ao corpo todo. isso sem contar os novos ânimos, o brilho no olhar, a vontade de estar mais bonita, de ser e estar mais leve.

porque amor é estado de encantamento e felicidade, traz leveza, nos deixa com outra cara, com outra disposição. o amor não nos modifica a essência, mas nos faz descobrir múltiplas formas de lidar melhor com o mundo, de olhá-lo com mais tolerância.

o amor é bom quando é assim. mas nem sempre é e nem sempre dura conforme nossa vontade ou a de quem nos ama. e um dia pode acabar, como, de fato, acaba. porque eternas somente a alma, a disposição para amar e para se deixar amar. eterno é o aprendizado.

e quando acaba a gente sofre, e é natural que se sofra, que a alma se esvaia em lágrimas e que o vazio se instale. é necessário viver todo o processo de desconstrução de um sentimento para poder seguir em frente e, mais à frente, abrir-se novamente.

o amor ensina, mas é na solidão que aprendemos muito mais sobre esse sentimento que encanta e movimenta a alma, porque é, também, na solidão, que aprendemos a nos amar em primeiro lugar.

amar é bom? é ótimo e todo mundo quer e todo mundo pode. o que não se deve é estabelecer o amor como meta de toda uma vida. porque o amor não acontece ao sabor de nossa vontade. o que não se deve é buscá-lo desesperadamente para preencher vazios, para suprir lacunas de outros amores que terminaram.

eu amo amar, a bem da verdade eu não saberia viver sem estar próxima do amor, mas preciso admitir que, para mim, o amor só tem valia se me trouxer liberdade e aprendizado. só tem valia se, ao final, me deixar plena da certeza de ter crescido mais um pouco.

estou certa de que o amor é para todos, não se trata de privilégio especial concedido a pessoas especiais. senti-lo é dádiva. no entanto, não senti-lo o tempo todo não é crime, nem castigo. e aproveitar sua ausência para lapidarmos nossa essência é obrigação.

eu amo amar e a cada amor liberto-me mais um pouco. e a cada ausência, meu coração se transforma, se amansa e se prepara para um novo (re) começo. e não existe nada melhor e transformador do que empreender uma nova jornada. porque é na estrada e, de surpresa, que nos assalta sempre o amor.

prosita? *;)


prosa miúda

começou do nada. de uma certa admiração. de sorrisos amarelos e palavras bobas. de uma vergonha engraçada.

(coisa de gente grande quando volta a ser criança).

começou do nada e, de repente, como um susto, o ar ficou cheio de corações soletrando nomes, de desejos insistentes. e pulsos acelerados.

do nada surgiram as cores. todas juntas e misturadas num arco-íris de possibilidades.

(as impossibilidades foram parar na desimportância do futuro).

e tudo ficou claro. os dias desandaram a nascer surpreendentemente novos. as noites ficaram quentes e as madrugadas orvalharam sem pudor.

(como uma primeira chuva de verão).

começou do nada e já era tanto. e de tanto ser, transbordou.

agora anda por aí, independente, feito uma vontade teimosa. e bonita.

acho que se chama amor.


mariza lourenço

Simplificando a vida

(ou me salvando do caos)


No dia 08 de março deste ano, uma Jornalista publicou no L'OSSERVATORE ROMANO, o Órgão Oficial do Vaticano, um artigo que dizia que a maior conquista da mulher, na era moderna, não foi a pílula anticoncepcional e nem o acesso ao mercado de trabalho e, sim, a máquina de lavar roupas.

Vocês já pararam para pensar que as nossas poucas conquistas vieram acompanhadas de mais ônus do que bônus? Pois adquirimos novos deveres, sem, contudo, nos livrarmos daqueles que tinham as nossas bisavós. E a nossa vida se transformou num verdadeiro caos, numa perpétua corrida contra o relógio.

Em qual Bíblia, em qual Constituição está escrito que lavar roupas é obrigação da mulher? E esta pergunta também vale para outros afazeres, como cozinhar, arrumar a casa, educar os filhos e etc.

Antigamente, o homem era o provedor da família, então era justo que coubesse à mulher a realização das tarefas domésticas. Mas, nos dias de hoje, quando trabalhamos tanto ou até mais do que eles, não posso entender como ainda existem mulheres que aceitam passivamente ser apenas de sua responsabilidade cuidar da casa e dos filhos e, ainda por cima, comemorarem, como vi várias fazerem no Fantástico, a invenção da máquina de lavar roupas. Poupem-me!

Pois eu lavo é a minha alma e declaro, em alto e bom tom, o meu direito inalienável de não fazer o que eles também não fazem e ponto, esse problema já resolvi na minha vida!

Mas tem dias que outros problemas se acumulam, você se vê impotente para resolvê-los e o coração fica aflito. Aí, o que fazer? Bem, eu acredito que quando se olha muito para o abismo, o abismo acaba olhando para você também, então, eu abstraio, mergulho em silêncios, crio uma escada, uma porta, uma via torta, fujo de mim mesma e me abrigo em meu mundo paralelo, onde meus olhos só veem o que acreditam e meus ouvidos só ouvem o que querem escutar, onde apenas lembranças e pensamentos bons me atravessam. E lá me deixo ficar, em “standby”, até que a alma se aquiete e eu possa voltar com uma nova vontade de viver a mulher que sou, 24 horas feminina, aquela que acredita que, para cada problema, existe uma hora e uma solução, e que sempre tem uma luz ao final de cada túnel, mesmo que esse fim de túnel seja difícil de alcançar no momento.

Minha vida não fica menos difícil assim, mas fica bem mais simples de ser vivida.



hoje minhas letras não se juntam, minhas palavras não se formam, meus versos não fazem sentido;

hoje não quero ouvir música, não quero ler poemas ou prosas e muito menos as notícias e seus problemas;

(nem quero contemplar a lua tão cheia de si a reinar entre estrelas).

hoje não quero falar, só quero ficar quieta e silenciosa no meu canto, recordar a felicidade nua de panos e os sons dos nossos corpos dialogando em surdina, entre suspiros, sussurros e gemidos, naquela última madrugada...

hoje só quero pensar em ti e mais nada!



layla lauar

a pedidos...

minha intenção hoje era escrever sobre outra coisa, mas Layla pediu que eu reeditasse aqui uma postagem feita em meu outro blogue durante os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher. e como ainda estamos no mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, acho que ela tem razão. então, abaixo, segue o texto, com as devidas adequações.

aproveitando que a campanha dos '16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher' em 2008 teve como tema a Lei Maria da Penha, teço algumas considerações sobre esta Lei que, desde seu nascedouro, tem provocado tanta polêmica desnecessária.

muita gente, por desconhecimento ou preconceito, ainda crê que a Lei Maria da Penha seja uma fórmula inconstitucional de punir o homem e favorecer um gênero em detrimento de outro. é justamente o contrário, a lei não veio para 'prender' o homem, mas para garantir o direito fundamental à vida e dignidade humana; veio, sobretudo, para ajudar a família e aquelas que padecem toda sorte de violência dentro de suas relações afetivas.

é preciso que as pessoas compreendam que a prisão do ofensor, daquele que descumpre determinação judicial às medidas protetivas, talvez seja a única forma de salvaguardar a vida de quem se encontra em situação de violência ou na iminência de sofrer um mal injusto e grave. é preciso também que se saiba que, antes da criação dessa lei, milhares de mulheres apanhavam e eram violentadas sistematicamente dentro de suas casas sem que nada acontecesse aos agressores, que acobertados por um sistema falho e sob os olhos cúmplices da sociedade, continuavam a bater, maltratar e humilhar suas companheiras, mães e filhas. afinal, o que vigorava era o princípio do 'não querer ver' ou de se 'varrer a sujeira para debaixo do tapete': 'eles que são adultos que se entendam' ou 'em briga de marido e mulher não se mete a colher'.

só que a coisa extrapolou, não é mesmo? e a sujeira que se procurava esconder levou nosso país para o banco dos réus de uma corte internacional, graças à determinação de uma mulher e de tantas outras que não se deixaram intimidar por um sistema moroso e francamente discriminador.

por isso, àqueles que criticam, eu peço que leiam atentamente a Lei em vigor. porque não existe nessa Lei conteúdo outro que não seja de proteção aos direitos fundamentais encartados em nossa Constituição.

creio, também, que neste blogue não me cabe fazer apologia contra a instituição do casamento ou das uniões estáveis, mesmo porque eu acredito na entidade familiar como base de uma sociedade saudável. o que eu não creio é na falta de amor e em relações desiguais e violentas. a Lei não evoca disputa entre os sexos e nem é esse o objetivo. o que se pretende, desde sempre, é o equilíbrio dentro das relações, porque não há como se atribuir dois pesos para uma mesma medida.

estar em situação de igualdade não me transforma em um ser híbrido ou com vagina e pênis ocupando o mesmo corpo. ser igual me garante, isso sim, as mesmas oportunidades, os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades. e tudo isso no corpo de sempre, feminino, com todas as características que me foram conferidas ao nascer.

e para os mais desavisados que crêem esta escriba advogada como mulher revoltada, de gestos ríspidos, fala grossa e indumentária de macho, eu digo que esse tipo de expectativa só se opera naqueles que ainda cultuam dentro de si preconceitos históricos, porque, afinal, eu posso falar do meu jeito e vestir como melhor me aprouver, seja de terno e gravata ou de saia e saltos altos. ser eu mesma e exigir sempre o mesmo respeito e igualdade de tratamento.

aproveitando a reedição dessa postagem, gostaria de esclarecer também que, na condição de advogada e militante feminista, quando a ocasião for propícia, abordarei questões relativas aos direitos da mulher, sem que isso, no entanto, se transforme em fonte de consulta, já que a abordagem, apesar de séria, estará sempre aquém daquilo que pode ser obtido quando se consulta um(a) advogado(a) particular. embora não me furte a qualquer tipo de orientação e esclarecimento, eu tenho um código de ética que não me permite extrapolar os limites da razoabilidade.

e pra terminar, uma miniprosapoética:


A (R) Dor

meses noites chuva granizo neve (se houvesse) paixão (se houve, um dia) se confundem nesse arremedo de vida que ensaio todo dia.

não se trata de tua pele, que arde, fogo em brasa, nesta alma em desarranjo com meu corpo gélido e entorpecido de tanto se curvar.

não se trata de teu cheiro, mas desta fenda maculada de onde ainda verte o resquício, vermelho-vivo, da fúria dos ataques não consentidos ao meu sexo, ao meu corpo, à minha vida.

não se trata mais de ti (posto que de ti nada mais sei)

cópia de teu pai

modelo de teu filho
não se trata mais de ti, de teu cheiro ou de tua pele

mas da miséria do silêncio, da dor que não acaba, do horror da aceitação:

a nossa nunca foi uma história de amor.


mariza lourenço


[imagem patricia ariel]

Virtual

— Dra., eu menti, não vim aqui para falar sobre o inventário de Carminha. É mais sério. Quero contratar os seus serviços para me separar do Valdir.
— Dona Magnólia, a senhora quer se separar do Seo Valdir?

E nessa hora contive a boca, porque quase arrematei a pergunta com um 'Aquele santo'. E era bem verdade, Seo Valdir era exemplo de correção e seriedade.

— Sim, minha filha, e quanto antes, melhor.
— Mas o que houve? Ele anda lhe maltratando?

Fiz a pergunta de praxe, claro, já que Seo Valdir, homem pacato, não faria mal a uma mosca.

— Não, ele anda me traindo. E não é de hoje. Cinco anos, pelo menos.

Então, meu queixo caiu de vez. Seo Valdir, ministro de igreja, casado há mais de trinta anos, baixinho, mirrado, quieto. Impossível.

— E a senhora só descobriu agora?
— Ih, filha, sei desde o começo.
— Dona Magnólia, gostaria de entender direito essa história. Seo Valdir a trai há anos e somente agora a senhora resolve se separar?
— Porque agora ele arrumou uma outra, além daquela. E a traição é dentro de casa, pelo computador, com uma moça mais nova que nossa filha caçula.

Minha vontade foi a de me enfiar debaixo da mesa para avaliar a situação daquela pobre mulher. Sim, porque a essa altura a história já começava a fazer sentido.

— Veja, Dona Magnólia, a situação é bastante delicada. Caso esteja mesmo disposta a se separar, podemos, quem sabe, para evitar um sofrimento maior para ambos, tentar um consenso... Deixe-me falar com ele.

— Não, Dra., a senhora não entendeu, eu não quero acordo nenhum, eu quero é alegar, como é que se diz mesmo?
— Adultério?
— Isso, adultério. Ele tem que passar vergonha na justiça pra pagar o mal que me faz.

Dona Magnólia desandou a chorar e meu coração ficou apertadinho. Eu conhecia o casal há muitos anos e não pude deixar de sentir pena de ambos, dela, tão machucada, e dele, que era um bom homem. Esperei, pacientemente, que ela chorasse à vontade e ao vê-la mais calma, insisti para que me permitisse conversar com o marido.

— Fale a verdade, a senhora não acredita que seja traição, Dra.?
— Dona Magnólia, a senhora quer minha opinião pessoal ou o que é aceito pela justiça?
— (...)

E esta foi uma longa conversa que não se esgotou naquele dia. Tampouco no subsequente, porque muito havia que ser entendido e explicado. De minha parte, especialmente, para deixá-la calma e segura de suas decisões.

Mas a questão da traição virtual me tomou um tempo enorme, porque o tema é controverso e polêmico, principalmente porque encontra resistência e aceitação às relações que se estabelecem num mundo ficto. Na verdade esse tipo de relacionamento é visto como uma relacão-erótico-platônica e, nesse sentido, a infidelidade existe e é moral.

Particularmente, acredito sim, que relacionamentos virtuais entre pessoas casadas, podem ser considerados traições em qualquer nível, tanto no que se refere àquele(a) que descobre o adultério do companheiro ou companheira e se sente atingido pela dor da infidelidade, quanto para servir de prova em processo judicial.

E não importa se o contato físico ainda não se concretizou ou se a relação permaneceu virtual, a mim me basta que tenha sido estabelecido o vínculo emocional, porque, se esse vínculo é primordial em relações reais para sua durabilidade, também o será virtualmente.

Afinal, o que fazer? Difícil aconselhar, porque não se pode admitir conselho baseado em meias-verdades. É óbvio que, como advogada, meu conselho nunca será outro senão este: viver uma relação de cada vez. E isso, naturalmente, significa abrir mão de uma atração que, mais tarde, poderá ser catastrófica para muita gente. "Ah!, mas eu escondo direitinho". Creia-me, um dia a casa cai, porque mentira tem pernas curtas. "Mas eu estou apaixonado(a)!". Então viva sua paixão, mas seja responsável em relação àquele(a) que divide a vida com você. Conte a verdade e, se for o caso, termine seu casamento.

Esse escape da realidade, essa sensação de se poder fazer o que quer, porque a Internet proporciona meios, não pode servir de desculpa para uma putaria generalizada. Se é verdade que a web igualou homens e mulheres no que se refere aos meios e oportunidades, também é verdade que ela banalizou e nivelou por baixo o verdadeiro sentido do amor. Mas, como toda generalização é perigosa e não convém, não me arrisco a colocar no mesmo saco todos os relacionamentos que têm início na rede mundial de computadores. Muitos, inclusive, extrapolam a virtualidade e se transformam em uniões bem sucedidas. Esses casos eu aplaudo de pé, sobretudo, pela coragem em sair da toca para viver um amor completo, à luz do dia, no meio da rua e sob os lençóis. Porque, sinceramente, meus amigos, preferir ficar sentado(a) numa cadeira, vendo peito e buceta e pinto, quando se tem ao lado alguém bacana, e em plenas condições de fazer o mesmo, realmente não dá pra engolir.

mariza lourenço

nota da autora: esse texto somente reflete a minha opinião pessoal e não se estende necessariamente à outra autora do blogue. Importante esclarecer, também, que as personagens mencionadas são fictícias, embora criadas com lastro em experiências reais desta advogada.


E amanhã é nosso dia: 08 de Março. Viva Você, Mulher!

Alisa o colchão e, assustada, encontra o próprio corpo encolhido. Ao lado um vazio insuportável. Uma falta medonha, a mesma que, toda noite, a faz deitar-se espremida contra a parede.

— Mã?...
— Humm...
— Tô com fome...

Cinco e meia da manhã e ela, levemente arranhada pelas horas mal dormidas, pula da cama, alimenta a criança, recolhe a roupa, passa batom e se veste de luta.

Um último olhar para dentro do quarto. O leito (re)feito e na cara, ah, sim, um sorriso escancarado de quem não tem tempo pra chorar de saudade.

***

muito tempo antes que ocorresse a tragédia que vitimou 129 operárias americanas, grupos de mulheres já se organizavam em torno da causa feminista. Foi preciso, porém, que algo de terrível acontecesse para que todos os olhos do mundo se voltassem para o universo feminino.

De lá para cá a luta para que a mulher goze dos mesmos direitos que o homem, direitos esses que, diga-se de passagem, deveriam ter todos os seres humanos, intensificou-se de tal forma que hoje é absolutamente impossível e irracional alegar desconhecimento dos avanços e transformações advindos de tantos anos de árdua batalha.

Os Direitos da Mulher são Direitos Humanos.

O Brasil é signatário de tratados internacionais de combate e erradicação à violência contra a mulher, portanto, não podemos aceitar qualquer forma de violência a pretexto de desconhecimento legal.

A Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro garantem à mulher direitos e obrigações iguais aos do homem, depende, portanto, de nós que esses direitos prevaleçam sobre quaisquer formas de discriminação.

E depende, acima de tudo, somente de nós que aquelas que não disponham dos mesmos recursos e conhecimentos, tenham acesso às informações sobre seus próprios direitos.

Todas as mulheres, independente de cor, raça, orientação sexual, credo e condição econômica estão juntas no mesmo barco: de ideais e de vida.

O Dia 08 de março reporta, sim, a uma história triste, mas nos leva à reflexão, à vontade de permanecermos firmes por piores que sejam as condições do vento.

O Dia Internacional da Mulher dura o ano inteiro através da nossa luta, do nosso trabalho, da nossa inesgotável capacidade para o amor e, principalmente, através das cores sempre vivas da sensibilidade que nos é natural.

A todas as amigas, companheiras, mulheres que, todos os dias, enfrentam esta luta, que colorem seus corpos da cor da esperança, o nosso profundo carinho, respeito e admiração.

Duas Por Todas