a pedidos...

minha intenção hoje era escrever sobre outra coisa, mas Layla pediu que eu reeditasse aqui uma postagem feita em meu outro blogue durante os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher. e como ainda estamos no mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, acho que ela tem razão. então, abaixo, segue o texto, com as devidas adequações.

aproveitando que a campanha dos '16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher' em 2008 teve como tema a Lei Maria da Penha, teço algumas considerações sobre esta Lei que, desde seu nascedouro, tem provocado tanta polêmica desnecessária.

muita gente, por desconhecimento ou preconceito, ainda crê que a Lei Maria da Penha seja uma fórmula inconstitucional de punir o homem e favorecer um gênero em detrimento de outro. é justamente o contrário, a lei não veio para 'prender' o homem, mas para garantir o direito fundamental à vida e dignidade humana; veio, sobretudo, para ajudar a família e aquelas que padecem toda sorte de violência dentro de suas relações afetivas.

é preciso que as pessoas compreendam que a prisão do ofensor, daquele que descumpre determinação judicial às medidas protetivas, talvez seja a única forma de salvaguardar a vida de quem se encontra em situação de violência ou na iminência de sofrer um mal injusto e grave. é preciso também que se saiba que, antes da criação dessa lei, milhares de mulheres apanhavam e eram violentadas sistematicamente dentro de suas casas sem que nada acontecesse aos agressores, que acobertados por um sistema falho e sob os olhos cúmplices da sociedade, continuavam a bater, maltratar e humilhar suas companheiras, mães e filhas. afinal, o que vigorava era o princípio do 'não querer ver' ou de se 'varrer a sujeira para debaixo do tapete': 'eles que são adultos que se entendam' ou 'em briga de marido e mulher não se mete a colher'.

só que a coisa extrapolou, não é mesmo? e a sujeira que se procurava esconder levou nosso país para o banco dos réus de uma corte internacional, graças à determinação de uma mulher e de tantas outras que não se deixaram intimidar por um sistema moroso e francamente discriminador.

por isso, àqueles que criticam, eu peço que leiam atentamente a Lei em vigor. porque não existe nessa Lei conteúdo outro que não seja de proteção aos direitos fundamentais encartados em nossa Constituição.

creio, também, que neste blogue não me cabe fazer apologia contra a instituição do casamento ou das uniões estáveis, mesmo porque eu acredito na entidade familiar como base de uma sociedade saudável. o que eu não creio é na falta de amor e em relações desiguais e violentas. a Lei não evoca disputa entre os sexos e nem é esse o objetivo. o que se pretende, desde sempre, é o equilíbrio dentro das relações, porque não há como se atribuir dois pesos para uma mesma medida.

estar em situação de igualdade não me transforma em um ser híbrido ou com vagina e pênis ocupando o mesmo corpo. ser igual me garante, isso sim, as mesmas oportunidades, os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades. e tudo isso no corpo de sempre, feminino, com todas as características que me foram conferidas ao nascer.

e para os mais desavisados que crêem esta escriba advogada como mulher revoltada, de gestos ríspidos, fala grossa e indumentária de macho, eu digo que esse tipo de expectativa só se opera naqueles que ainda cultuam dentro de si preconceitos históricos, porque, afinal, eu posso falar do meu jeito e vestir como melhor me aprouver, seja de terno e gravata ou de saia e saltos altos. ser eu mesma e exigir sempre o mesmo respeito e igualdade de tratamento.

aproveitando a reedição dessa postagem, gostaria de esclarecer também que, na condição de advogada e militante feminista, quando a ocasião for propícia, abordarei questões relativas aos direitos da mulher, sem que isso, no entanto, se transforme em fonte de consulta, já que a abordagem, apesar de séria, estará sempre aquém daquilo que pode ser obtido quando se consulta um(a) advogado(a) particular. embora não me furte a qualquer tipo de orientação e esclarecimento, eu tenho um código de ética que não me permite extrapolar os limites da razoabilidade.

e pra terminar, uma miniprosapoética:


A (R) Dor

meses noites chuva granizo neve (se houvesse) paixão (se houve, um dia) se confundem nesse arremedo de vida que ensaio todo dia.

não se trata de tua pele, que arde, fogo em brasa, nesta alma em desarranjo com meu corpo gélido e entorpecido de tanto se curvar.

não se trata de teu cheiro, mas desta fenda maculada de onde ainda verte o resquício, vermelho-vivo, da fúria dos ataques não consentidos ao meu sexo, ao meu corpo, à minha vida.

não se trata mais de ti (posto que de ti nada mais sei)

cópia de teu pai

modelo de teu filho
não se trata mais de ti, de teu cheiro ou de tua pele

mas da miséria do silêncio, da dor que não acaba, do horror da aceitação:

a nossa nunca foi uma história de amor.


mariza lourenço


[imagem patricia ariel]