
A separação arrastava-se há meses e o Juiz, de saco cheio, propôs que dividissem a casa ao meio. Eles toparam. Restava decidir com quem ficariam, carro e filho.
— Fico com o carro. Ela disse.
— Com o carro fico eu. Berrou o separando.
O Juiz, de ordinário tão sensato, resolveu arriscar:
— Está decidido. Divide-se o carro também.
— E o menino?
— Vai para a Casa da Criança.
Fez-se silêncio.
O Juiz ordenou que o menino fosse levado a adoção.
E antes mesmo de instalada a próxima audiência, o Magistrado, de ordinário tão ponderado, rasgou Código e Bíblia:
abandonou a profissão.
***
o advogado que milita na área de família sabe que uma das questões mais delicadas e doloridas num processo de separação é relacionada à guarda dos filhos. e é mesmo complicado, porque com tantas mágoas envolvidas, os pequenos acabam pagando o pato pelo desacerto de seus pais. transformam-se em joguetes a serviço de disputas, de 'quem pode mais' e, infelizmente, muitas vezes, acabam por se transformar em objeto de barganha e vinganças mesquinhas.
e é nesse exato momento que a lei funciona em favor dos interesses da criança, salvaguardando-a de futuros males. o código civil brasileiro, ao igualar homens e mulheres em direitos e obrigações, beneficiou a família, sobretudo ao não privilegiar um em detrimento de outro, quando a guarda é requerida por ambos. o que vale, em primeiro lugar, é o bem-estar do filho menor e ponto final. dez a zero para o legislador.
na esteira de tantas inovações, uma das mais interessantes e profícuas diz respeito ao instituto da guarda compartilhada que, em minha opinião, é a forma mais saudável e menos traumática de convivência entre pais separados e seus filhos. mesmo que a custódia física da criança permaneça com um deles, a guarda compartilhada permite àquele que não a detenha, a mesma ingerência e poder sobre a vida de seu filho.
dias atrás, e daí o motivo desta postagem, me perguntaram se eu, como mãe, achava que o legislador se equivocara ao retirar da mulher o antigo privilégio de se manter como guardiã legal dos filhos. pois bem, como mãe e advogada a minha opinião é uma só: por motivos óbvios, a custódia física da criança muito pequena, ou daquela que ainda está sendo amamentada durante o processo de separação, deve ficar com a mãe. passado, no entanto, esse período, e levando em consideração a realidade atual, em que tantos pais vêm assumindo espontaneamente o encargo de cuidarem sozinhos de seus filhos, acho absolutamente normal que a eles seja destinada a custódia física das crianças.
mas, convenhamos, nada disso precisaria ser discutido, a tutela do judiciário não precisaria ser invocada a torto e a direito, se as pessoas prestassem o enorme favor a elas mesmas e a seus filhos, de se respeitarem, independente de qualquer coisa, independente, até mesmo, de já não existir amor.
mariza lourenço
[imagem gary s. chapman]