Virtual

— Dra., eu menti, não vim aqui para falar sobre o inventário de Carminha. É mais sério. Quero contratar os seus serviços para me separar do Valdir.
— Dona Magnólia, a senhora quer se separar do Seo Valdir?

E nessa hora contive a boca, porque quase arrematei a pergunta com um 'Aquele santo'. E era bem verdade, Seo Valdir era exemplo de correção e seriedade.

— Sim, minha filha, e quanto antes, melhor.
— Mas o que houve? Ele anda lhe maltratando?

Fiz a pergunta de praxe, claro, já que Seo Valdir, homem pacato, não faria mal a uma mosca.

— Não, ele anda me traindo. E não é de hoje. Cinco anos, pelo menos.

Então, meu queixo caiu de vez. Seo Valdir, ministro de igreja, casado há mais de trinta anos, baixinho, mirrado, quieto. Impossível.

— E a senhora só descobriu agora?
— Ih, filha, sei desde o começo.
— Dona Magnólia, gostaria de entender direito essa história. Seo Valdir a trai há anos e somente agora a senhora resolve se separar?
— Porque agora ele arrumou uma outra, além daquela. E a traição é dentro de casa, pelo computador, com uma moça mais nova que nossa filha caçula.

Minha vontade foi a de me enfiar debaixo da mesa para avaliar a situação daquela pobre mulher. Sim, porque a essa altura a história já começava a fazer sentido.

— Veja, Dona Magnólia, a situação é bastante delicada. Caso esteja mesmo disposta a se separar, podemos, quem sabe, para evitar um sofrimento maior para ambos, tentar um consenso... Deixe-me falar com ele.

— Não, Dra., a senhora não entendeu, eu não quero acordo nenhum, eu quero é alegar, como é que se diz mesmo?
— Adultério?
— Isso, adultério. Ele tem que passar vergonha na justiça pra pagar o mal que me faz.

Dona Magnólia desandou a chorar e meu coração ficou apertadinho. Eu conhecia o casal há muitos anos e não pude deixar de sentir pena de ambos, dela, tão machucada, e dele, que era um bom homem. Esperei, pacientemente, que ela chorasse à vontade e ao vê-la mais calma, insisti para que me permitisse conversar com o marido.

— Fale a verdade, a senhora não acredita que seja traição, Dra.?
— Dona Magnólia, a senhora quer minha opinião pessoal ou o que é aceito pela justiça?
— (...)

E esta foi uma longa conversa que não se esgotou naquele dia. Tampouco no subsequente, porque muito havia que ser entendido e explicado. De minha parte, especialmente, para deixá-la calma e segura de suas decisões.

Mas a questão da traição virtual me tomou um tempo enorme, porque o tema é controverso e polêmico, principalmente porque encontra resistência e aceitação às relações que se estabelecem num mundo ficto. Na verdade esse tipo de relacionamento é visto como uma relacão-erótico-platônica e, nesse sentido, a infidelidade existe e é moral.

Particularmente, acredito sim, que relacionamentos virtuais entre pessoas casadas, podem ser considerados traições em qualquer nível, tanto no que se refere àquele(a) que descobre o adultério do companheiro ou companheira e se sente atingido pela dor da infidelidade, quanto para servir de prova em processo judicial.

E não importa se o contato físico ainda não se concretizou ou se a relação permaneceu virtual, a mim me basta que tenha sido estabelecido o vínculo emocional, porque, se esse vínculo é primordial em relações reais para sua durabilidade, também o será virtualmente.

Afinal, o que fazer? Difícil aconselhar, porque não se pode admitir conselho baseado em meias-verdades. É óbvio que, como advogada, meu conselho nunca será outro senão este: viver uma relação de cada vez. E isso, naturalmente, significa abrir mão de uma atração que, mais tarde, poderá ser catastrófica para muita gente. "Ah!, mas eu escondo direitinho". Creia-me, um dia a casa cai, porque mentira tem pernas curtas. "Mas eu estou apaixonado(a)!". Então viva sua paixão, mas seja responsável em relação àquele(a) que divide a vida com você. Conte a verdade e, se for o caso, termine seu casamento.

Esse escape da realidade, essa sensação de se poder fazer o que quer, porque a Internet proporciona meios, não pode servir de desculpa para uma putaria generalizada. Se é verdade que a web igualou homens e mulheres no que se refere aos meios e oportunidades, também é verdade que ela banalizou e nivelou por baixo o verdadeiro sentido do amor. Mas, como toda generalização é perigosa e não convém, não me arrisco a colocar no mesmo saco todos os relacionamentos que têm início na rede mundial de computadores. Muitos, inclusive, extrapolam a virtualidade e se transformam em uniões bem sucedidas. Esses casos eu aplaudo de pé, sobretudo, pela coragem em sair da toca para viver um amor completo, à luz do dia, no meio da rua e sob os lençóis. Porque, sinceramente, meus amigos, preferir ficar sentado(a) numa cadeira, vendo peito e buceta e pinto, quando se tem ao lado alguém bacana, e em plenas condições de fazer o mesmo, realmente não dá pra engolir.

mariza lourenço

nota da autora: esse texto somente reflete a minha opinião pessoal e não se estende necessariamente à outra autora do blogue. Importante esclarecer, também, que as personagens mencionadas são fictícias, embora criadas com lastro em experiências reais desta advogada.


E amanhã é nosso dia: 08 de Março. Viva Você, Mulher!

Alisa o colchão e, assustada, encontra o próprio corpo encolhido. Ao lado um vazio insuportável. Uma falta medonha, a mesma que, toda noite, a faz deitar-se espremida contra a parede.

— Mã?...
— Humm...
— Tô com fome...

Cinco e meia da manhã e ela, levemente arranhada pelas horas mal dormidas, pula da cama, alimenta a criança, recolhe a roupa, passa batom e se veste de luta.

Um último olhar para dentro do quarto. O leito (re)feito e na cara, ah, sim, um sorriso escancarado de quem não tem tempo pra chorar de saudade.

***

muito tempo antes que ocorresse a tragédia que vitimou 129 operárias americanas, grupos de mulheres já se organizavam em torno da causa feminista. Foi preciso, porém, que algo de terrível acontecesse para que todos os olhos do mundo se voltassem para o universo feminino.

De lá para cá a luta para que a mulher goze dos mesmos direitos que o homem, direitos esses que, diga-se de passagem, deveriam ter todos os seres humanos, intensificou-se de tal forma que hoje é absolutamente impossível e irracional alegar desconhecimento dos avanços e transformações advindos de tantos anos de árdua batalha.

Os Direitos da Mulher são Direitos Humanos.

O Brasil é signatário de tratados internacionais de combate e erradicação à violência contra a mulher, portanto, não podemos aceitar qualquer forma de violência a pretexto de desconhecimento legal.

A Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro garantem à mulher direitos e obrigações iguais aos do homem, depende, portanto, de nós que esses direitos prevaleçam sobre quaisquer formas de discriminação.

E depende, acima de tudo, somente de nós que aquelas que não disponham dos mesmos recursos e conhecimentos, tenham acesso às informações sobre seus próprios direitos.

Todas as mulheres, independente de cor, raça, orientação sexual, credo e condição econômica estão juntas no mesmo barco: de ideais e de vida.

O Dia 08 de março reporta, sim, a uma história triste, mas nos leva à reflexão, à vontade de permanecermos firmes por piores que sejam as condições do vento.

O Dia Internacional da Mulher dura o ano inteiro através da nossa luta, do nosso trabalho, da nossa inesgotável capacidade para o amor e, principalmente, através das cores sempre vivas da sensibilidade que nos é natural.

A todas as amigas, companheiras, mulheres que, todos os dias, enfrentam esta luta, que colorem seus corpos da cor da esperança, o nosso profundo carinho, respeito e admiração.

Duas Por Todas