Velha Infância

É minha vez de blogar e acordei cercada pela vida estupidamente real. Ainda não fiz minha Declaração do Imposto de Renda (não sei onde guardei os recibos das despesas dedutíveis), as notícias pipocam nos jornais e telejornais sobre crimes cometidos contra mulheres aqui em Beagá e no resto do País, a crise econômica gera desemprego, bactérias desconhecidas infectam pessoas e causam mortes, e minha casa está cheia de hóspedes. Ufa! E eu sem conseguir escolher um tema para esta postagem...

Nessas horas, preciso urgentemente de um café forte, de alguns cigarros, de navegar, ainda que seja pela Net, já que em Minas não tem mar.

E foi navegando que descobri ser hoje o Dia Nacional do Livro Infantil e que está havendo uma blogagem coletiva, cujo tema é Monteiro Lobato (confiram aqui). E como num passe de mágica, lendo uns e outros, tudo o mais desapareceu da minha mente e me vi transportada, sem precisar do pó de pirlimpimpim, para os anos felizes e doces da minha infância, onde a minha admiração por esse notável escritor começou.

Quando completei seis anos, meu avô me presenteou com a coleção completa, 17 volumes, dos livros infantis escritos por Monteiro Lobato. E a minha, até então, pacata vidinha se transformou numa aventura maravilhosa junto à turma do Pica Pau Amarelo.

Eu morava numa casa grande e o meu local preferido para leitura era o pomar, onde o aroma das frutas maduras, misturado ao cheiro de terra molhada, criava o cenário perfeito para que eu vivenciasse todas as peripécias que lia nos livros.

E foi assim que embarquei numa viagem ao céu, deslizei pela via láctea e encontrei um anjinho de asa quebrada, "a maior das galantezas", caído no quintal, que desci até o fundo do mar e assisti ao casamento de Narizinho com o Príncipe Escamado, que fui à Grécia e me perdi nos labirintos do Minotauro, que visitei os deuses no Olimpo e experimentei a ambrosia, o manjar que concedia a imortalidade, que presenciei aquela linda bonequinha de pano começar a tagarelar como uma maritaca, depois de ter engolido a pílula falante inventada pelo Dr. Caramujo.

Naquele tempo, todas as minhas amigas queriam ser Paquitas ou Barbies, mas eu não, eu sonhava ser a espevitada Emília, feita de trapos e recheada de macela, dona de uma canastrinha lotada de tesouros, noiva de um leitão, o Marquês de Rabicó, a boneca que teve a coragem e ousadia de reformar a natureza. Eu queria morar no Sítio do Pica Pau Amarelo, sentar-me no colo de Dona Benta e ouvir suas histórias, comer os bolinhos de chuva da tia Anastácia, discutir filosofia com o sábio Burro Falante, saber das invenções do Visconde de Sabugosa, acompanhar o Pedrinho em suas caçadas e à Narizinho em suas reinações, brincar com o rinoceronte Quindim e com a vaca Mocha.

Eu não lia apenas as histórias do Pica Pau Amarelo, eu me enfiava dentro delas e elas se tornavam reais para mim.

Que me perdoem todos os outros grandes autores de literatura infantil, mas nenhum me encantou mais, nem coloriu meus dias, nem me ensinou a sonhar como o fez Monteiro Lobato, um escritor que não ergueu fronteiras entre a fantasia e a realidade, que transitou entre esses dois mundos como se um só fosse, com seus personagens humanos perfeitamente integrados com seres mitológicos e fantásticos, ou com bichos e objetos, filósofos e falantes.

E que me perdoem também os leitores amigos, pois fugi totalmente da proposta do blog, mas hoje, apenas hoje, me permito ser uma boneca de trapo, cansada da vida real e de seus problemas.

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(Não deixem de ler aqui, escritos por Ricardo Rayol, um belo texto sobre Monteiro Lobato e uma linda história, em versos e rimas, sobre a visita da turma do Sitio do Pica Pau Amarelo ao mundo encantado de Juarez, o cabrito montês).


* imagens Google, sem indicação de autoria.