de maios, de casamentos, de mim, por Mariza lourenço


LÁ VEM A NOIVA
(de maios. de casamentos. de mim)

— Menina, não seja teimosa! Pare de comer em panela, senão chove no dia do casamento.

Tia Firmina era mesmo assim, planejadora de casamentos e fazedora de enxovais. Quando comecei a namorar Roberto, mocinha ainda, a primeira providência de minha tia foi comprar tecido para o vestido de noiva. Ri muito. Lamentei tanto depois.

Meu grande dia havia chegado regado à tempestade, raios e trovões. Do lado de fora da capela as crianças gritavam pra fazer pirraça:

— Sol e chuva casamento de viúva. Chuva e Sol casamento de espanhol.

Na porta, após estapear um dos moleques, tia Firmina olhou-me zangada, como se aquele fosse um mau presságio e eu, a responsável. Mas como? Eu havia feito tudo direitinho. Deixara de comer em panela. Virara a imagem de Santo Antônio de cabeça pra baixo e, por Deus, ainda era virgem!

Não fiz caso e comecei a percorrer a nave — toda orgulhosa — procurando meu noivo no altar. E foi aí que me deparei com os olhos mais negros de que já havia tido notícia. Eram olhos de lobo arrancando-me toda a roupa, intumescendo meus seios de menina, deixando meus pelos à deriva dos maus pensamentos.

— Lá vem a noiva, toda de branco e debaixo da saia um tesão...

Não conseguia. Não me lembrava mais da brincadeira das primas.

Que vontade de correr daqueles olhos, daquela boca.

Que vontade de dar-me inteira, de desmaiar dentro daqueles braços e nunca mais ser eu mesma. Aqueles não eram os olhos azuis de Roberto, sempre tão bondosos e previsíveis. Eram negros, de fome declarada, passado nebuloso, futuro incerto, viagem sem volta. Olhos de aventura, de mar aberto, onde eu poderia navegar sem meus recatos de moça séria, onde a minha nudez seria selvagemente comemorada como o mais febril dos presentes.

Qual o quê! Outros olhos aguardavam-me ansiosos. Pra toda vida. Eram azuis.

Esqueci-me das brincadeiras, dos sonhos recém-adquiridos e tão cedo abortados. Escolhi o caminho sem riscos, o porto seguro que me aguardava sorridente ao lado do Padre.

Os olhos, aqueles negros, continuaram seu louco e despudorado passeio através do meu corpo virgem, enquanto eu, pobre de mim, uivava, sem saber que aquela queimação entre as pernas seria, para o resto da vida, a mais fiel das companhias.



[imagem Marc Chagall]



***

amigos, gostaria de agradecer os votos de feliz aniversário recebidos na postagem anterior a esta. é muito importante para mim saber-me querida e lembrada, creiam-me.

agradeço especialmente à Layla, verdadeiro anjo, minha fiel amiga de todas as horas.

meus melhores presentes de aniversário, invariavelmente, têm vindo em forma de carinho e amor. sou uma mulher de sorte.

beijos.

marizoca