Quem roubou as nossas horas?

Estão faltando horas nas noites e nos dias destas duas blogueiras.

Por que será que as horas, mesmo quando tão pesadas, conseguem ser mais ligeiras do que nós? Esta pergunta eu nunca vou saber responder...



Bem, mas estou falando sobre falta de tempo para explicar que Mariza, envolvida em vários compromissos profissionais, não pode atualizar o blog e me passou a incumbência de fazê-lo. Só que, como a vez é dela, resolvi postar um texto de sua autoria: “O diário das horas”, publicado originalmente no Escritoras Suicidas”, que acho muito lindo e, tenho certeza, vocês irão concordar com a minha opinião.

Mas como ninguém é de ferro, enquanto a Mariza trabalha, eu tento esquecer meus inúmeros problemas diários dançando por entre as horas e por isso coloquei aqui no blog a belíssima música de balé , "A Dança das Horas”, da Ópera "La Gioconda", de Almicare Ponchielli, que eu adoro e espero que gostem também.

Houve um tempo que eu dançava esse balé nas pontas dos pés, até que um dia, acreditando que poderia ser mais ligeira do que as horas, tive as asas do meu pé esquerdo amputadas e desde então ele pesa como chumbo e só minha alma bailarina continua dançando com qualquer música, mas essa é uma prosa para uma outra hora.





Diário das Horas
                                                             
                                                                      Mariza Lourenço

I


bateram duas vezes à porta e minha disposição em abri-la é tão miúda quanto a certeza de que sobreviverei a mais um processo de desconstrução. não quero coadjuvantes. minha dor é egoísta. solitária. aguda.
e de dor eu entendo como ninguém.


II

sou mulher de prantos.
choro por tudo e nada. e o nada tem sido bem mais que tudo. choro manso pra despistar os demônios. choro baixo pra enganar meus fantasmas. ninguém desconfia de nada. e o mundo segue - presumivelmente - feliz.
sem mim.


III

sinto faltas essenciais: de algum amor, de alguma paixão, de algum sexo. e de tempestades. o que antes era profuso agora é reto. e esta linearidade me apavora. não estou preparada para viver em calma perpétua. quase morta.
ainda não.


IV

passei metade da vida levantando bandeiras e tentando compreender meus abismos. passei a vida inteira carpindo a dor alheia e perdendo meus sonhos em qualquer lugar.
logo eu, que nunca soube advogar em causa própria, apostei todas as fichas no mesmo jogo.
e perdi.


V

confesso que fui muitas sem ser nenhuma. confesso que me apaixonei demais e amei de menos. confesso que não me lembro de alguns cheiros. de algumas carícias. e do meu primeiro beijo.
se, hoje, vomito lembranças é pra justificar esta minha condição de puta.
de um homem só.


VI

entre meus dedos, o terço - presença física de minhas crenças - queima. ando esquecida dos mandamentos. e já não sei onde foi parar meu último pecado. aquele do qual nunca me arrependi.
a imagem da Virgem me enxerga, entende e consola.
ah!, Senhora, estou nua. tem piedade de mim.


VII

foi por minha conta e calculado risco que me meti em claustro (mais uma vez) e calei a boca (mais uma vez).
batem novamente à porta. (estou assustada).
do lado de lá esperam pela mulher de sempre. pelo riso fácil. pela boca pródiga em contar histórias.
do lado de lá esperam por respostas que não tenho.
nem pra mim.